Atualmente existe uma imposição de um padrão corporal pela mídia, um corpo magro, sem gorduras, firme em sua musculatura e de preferência, com a musculatura definida visualmente.
A partir desta imposição, ocorre uma preocupação constante com o corpo físico, tanto por parte dos homens quanto das mulheres, que se submetem a dietas de redução calórica, consumo de produtos diet/light; intervenções tais como lipoaspirações, cirurgias estéticas, aplicação de enzimas para dissolução de gorduras localizadas, tratamentos estéticos com emprego de tecnologias avançadas; e também à prática de atividades físicas, em alguns casos de forma exagerada, tudo para a obtenção deste padrão estético. Ocorrem também distúrbios alimentares em algumas pessoas causados por essa busca muitas vezes neurótica para alcançar esse padrão magro, como os casos da bulimia e anorexia.
A prática da dança do ventre, que é uma atividade que se constitui por alongamentos, relaxamentos e exercícios que envolvem contrações isométricas e de técnica da própria dança, é também uma atividade predominantemente aeróbia e que contribui para a redução de calorias e queima de gorduras.
No entanto, observa-se o questionamento freqüente das alunas ou das mulheres que desejam praticá-la sobre o fato de esta prática causar um aumento da barriga, o que reflete essa preocupação e busca constante do padrão de beleza imposto pela mídia, retratado pelo corpo de modelos e atores, atletas, enfim pessoas encaixadas dentro desse padrão, consideradas bonitas.
Ocorre que pessoas interessadas em aprender essa modalidade de dança, ao invés de praticá-la e aprendê-la, ampliando seu universo cultural, acabam por se privarem disto, alegando que não querem suas barrigas aumentadas, ou seja, se negam a realizar uma atividade prazerosa, lúdica e benéfica para a saúde, que elas desejaram praticar, por razões improváveis, em forma de mito.
Essa crença é mencionada em vários sites de escolas de dança do ventre, seguida de uma breve explicação, onde se diz que isto é um mito, que não é possível uma atividade aeróbia criar uma barriga.
Em alguns casos, o abdômen protuso é causado por uma má postura, e esse aspecto do alinhamento postural é um dos benefícios da dança do ventre, mais uma vez indicando que tal prática poderia contribuir para a obtenção do padrão estético, ou uma aproximação maior ao mesmo.
O que ocorre muitas vezes é que estas mulheres que recusam a prática da dança do ventre, nunca alcançam o abdômen desejado, mesmo sem esta prática. Algumas mulheres não chegam a obter o abdômen desejado, nem mesmo praticando exaustivamente outras atividades, o que alimenta o mercado das intervenções como a lipoaspiração, aplicação de enzimas no local e cirurgias estéticas, como nos exemplos de modelos e atrizes, que precisam vender suas imagens exatamente no padrão, e a atividade física e dieta realizadas não foram suficientes para eliminar “toda” a barriga ou abdômen. Modelos esquálidas algumas vezes se submetem a lipoaspiração na barriga, para retirar aquela última gordura localizada, que quer permanecer, mesmo ela já possuindo um corpo magro.
No entanto, muitas mulheres possuem o abdômen mais dilatado ou igual ao das profissionais e praticantes da dança do ventre, mas elas sempre observam o abdômen da dançarina do ventre, que ao contrário das dançarinas de outras modalidades de dança, exibem o abdômen, e as praticantes de balé, jazz, dança de salão assim como de outras modalidades de dança se vestem com roupas que não deixam o abdômen exposto, e, portanto, não causam essa impressão de terem uma barriga saliente, sendo que muitas vezes o abdômen destas pode ser até mais protuso que algumas dançarinas do ventre.
As correções efetuadas nas fotografias de modelos em catálogos de propaganda de roupas ou revistas que falam sobre o corpo, e também revistas pornográficas influenciam fortemente a formação do padrão estético corporal feminino, contribuindo para o reforço do padrão de beleza considerado perfeito e correto.
A formação deste padrão estético corporal advém de uma construção histórica e social, altamente influenciada pela mídia, que cumpre o papel da sociedade e ideologia construindo seus corpos e estabelecendo mercados para a medicina estética, revistas especializadas, clínicas estéticas, academias de ginástica e musculação, equipamentos para atividade física, e retorno para a própria mídia que promove programas de televisão com dicas de beleza, de novos tratamentos estéticos, de novas descobertas científicas sobre o assunto corpo, uma verdadeira corpolatria (RODRIGUES, 2005).
Dentro desta sociedade de consumo e globalizada, existe também uma necessidade de urgência e velocidade na obtenção de resultados, o que reflete na escolha da atividade física, para que esta obtenha os resultados a serem atingidos mais rapidamente. Muitas pessoas sabem que a dança é uma atividade aeróbia, e que durante sua prática queimam-se calorias, porém preferem praticar outras atividades que atinjam o resultado corporal em uma velocidade maior, o que também faz parte da autodisciplina, força de vontade e autocontrole.
Para Pelbart (2006), nossa atualidade tem como característica o superinvestimento no corpo. O foco do sujeito, a subjetividade foi reduzida ao corpo, a aparência, a imagem, a saúde, a longevidade; o eu é o corpo. Existe um predomínio da dimensão corporal na constituição identitária.
O fato é que dentro desta sociedade globalizada, aceitamos voluntariamente a tirania da corporeidade perfeita. Diante deste padrão praticamente inalcançável, vasta parcela da população é colocada em uma posição de inferioridade (PELBART, 2006).
Dentro deste contexto sócio-histórico, apenas as pessoas que apreciam muito a dança, tanto como arte ou atividade física, e que se libertam dessa obsessão de colocarem o modelo corporal à frente de qualquer outro objetivo, são as que continuam a freqüentar aulas da atividade, e desta forma motivam-se a aprender ou aperfeiçoar seus conhecimentos, teóricos e práticos.
Referências bibliográficas
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ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. V.1.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes,1986.
GOLDENBERG, M.; RAMOS, M.S. A civilização das formas. In: GODENBERG, M. (Org.). Nu & vestido. Rio de Janeiro: Record, 2002.
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ORTEGA, F. Da ascese à bioascese, ou do corpo submetido à submissão do corpo. In: Imagens de Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
ORTEGA, F. O corpo transparente: visualização médica e cultura popular no século XX. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.13 (suplemento), p. 89-107, 2006.
PELBART, P.P. Vida nua, vida besta, uma vida. Disponível em http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2792,1.shl
RODRIGUES, J.C. Os corpos na Antropologia. In: MINAYO, M.C. DE S. & COIMBRA Jr, C.E.A. (orgs.) Críticas e Atuantes: Ciências Sociais e Humanas em Saúde na América Latina. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
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